domingo, 26 de dezembro de 2010

Palavras que se calam

Texto publicado em Janeiro de 2010, última edição da Revista Trilhas.

A palavra cantada, a palavra ao pé do ouvido, a palavra esbravejada, a palavra escrita, a palavra não dita.
Atitudes revelam um caráter, palavras complementam um ser.
O dom de saber dosa-las, de se fazer entender, de saber expressa-las, definitivamente não é para qualquer um. O que deixar para a linguagem virtual que não nos permite entonações, propondo várias interpretações. Nesse nosso espaço, tanta coisa que gostaria de escrever e ter escrito em outros momentos, mas por essa falta do “ao vivo”, do olho no olho, acabei dispensando, trocando termos e deixando passar. Muitas vezes me restam apenas os entre aspas, os três pontinhos e o entre parênteses para designar o tom certo. Até porque as coisas quando muito explicadas acabam perdendo a essência e o real sentindo. Enquanto que meu objetivo aqui é justamente a mensagem subliminar, provocando uma reflexão íntima e pessoal.
 Palavras provocam reações, atitudes, verbalizam sentimentos, nos expõem, nos reprimem e mesmo assim lidamos com um cotidiano onde as mais ásperas “saem” com muita facilidade, coisas desses seres que se dizem: humanos.
Mas muitos pecam (onde me incluo) no “excesso da falta”. A falta da palavra certa no momento apropriado. Para mim, particularmente, muitas vezes é mais fácil escrever do que falar. Pensamos muito, dosamos demais e não dizemos o que deve ser dito.  
A falta das palavras de carinho, reconhecimento. A falta da gentileza. A falta das palavras de perdão, sejam elas fruto de uma timidez ou por puro orgulho se omitem. Por medo de magoar ou de sermos magoados, de que não sejamos aceitos, de não agradar, as mais belas expressões, os gestos mais espontâneos se perdem no tempo.
A gente pensa, mas não fala, não exprime de forma alguma. Quantas palavras guardadas em uma gaveta. Tudo que deveria ser dito, mas não foi. Por muito tempo cultivei esse hábito, mas deixava nas últimas páginas do caderno ou pelas gavetas e aos poucos fui descobrindo que não era a única.
A palavra que nos mantém em contato, que nos mantém ligados é a mesma capaz de desestruturar qualquer relação seja ela qual for, capaz de provocar o mais lindo sentimento e ao mesmo tempo o mais rancoroso desentendimento, por isso o cuidado.
Um gesto simples, um bilhete, uma mensagem, seja via celular ou e-mail, pode melhorar, alegrar o dia de alguém, “lembrei de você”. Queria eu ter o dom da palavra para alimentar o mais verdadeiro amor, aliviar a mais profunda dor, diluir a angústia, consolar a tristeza e tornar o mundo um pouco mais verdadeiro. Aos tropeços vamos aprendendo, nos arrependendo e evoluindo.   Desfruta das palavras mais lindas do teu vocabulário, sejam elas por meio da escrita ou da fala, mas não permite que essas se percam.
                                                                                 
                                               

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Estranhos Íntimos

Publicado na Revista Trilhas em Junho de 2009.        
         
         Algo que sempre me chamou atenção em todos os tipos e estágios de relacionamento homem e mulher é a vulgarização. Casais, sentimentos, separações vulgarizadas. Parece que a essência do real sentido do amor, da cumplicidade, da amizade e do companheirismo exercidos nesse processo perdeu-se no tempo e no espaço.
            Mas procuro não julgar, e sim entender. Acredito em uma carência na raça humana, acredito em valores distorcidos, acredito que nem tudo é o que parece ser.
          Observando é fácil reparar em gerações que cada vez mais cedo tentam exercitar a arte do “pegar e não se apegar”, e no final contar isso como triunfo. Confesso que sempre que me vejo falando nesses temas realmente me sinto fora de época, meio antiquada diria.
            Analisa friamente comigo, não é engraçado, e no mínimo estranho, duas pessoas que não se conhecem adquirirem tanta intimidade (e tu sabes bem a que me refiro) em uma única noite? Acabam com todos os processos de algo que realmente poderia ser ainda melhor e de futuro surpreendente em questão de minutos. Nesses minutos pouco se conhece da personalidade, gostos e opiniões do outro, fica a entrega total ao desejo, a atração momentânea, e só. No dia seguinte talvez nem lembre o nome.
A descoberta, o mistério, a conquista... sim, caros leitores, o romantismo parece estar em extinção.
Seguimos nossa análise passando para namoros e casamentos. Juras de amor eterno, planos mil, sonhos compartilhados, intimidade, amigos e famílias unificadas. No caso dos casados, muitos sonhos e planos já concretizados, filhos, casas e contas em comum. De repente tudo pode acabar. Ok, acontece. A convivência revela quem é quem, qualidades e defeitos, falhas e acertos. Nem sempre é o que se esperava. Mas com o rompimento ficam as magoas, e não adianta, um lado sempre acaba mais machucado. Toda aquela vida planejada de forma em comum com o outro deve ser novamente traçada. O outro? O outro vira inimigo, e o que era amor vira ódio. O que era eterno vira divisões exaustivas de bens. Tudo de bom se perde na amargura da decepção, o sentimento ruim toma conta. Então, te apresento dois estranhos, que ao se encontrarem se ignoram. 
Ignoram toda a parte boa dessa convivência, os bons momentos, as conquistas, a amizade, o companheirismo, o aprendizado mutuo, os frutos dessa relação (e eles sempre existem, por mais difícil que seja percebê-los quando tudo acaba). Como ignorar alguém que conhecemos tão bem? Conhecemos toda a história daquela criatura, gostos, manias, inquietações, pai, mãe, primo, cachorro, toda sua intimidade. Mesmo assim, hoje, evitam o mesmo lado da calçada e acreditam que aquele amor foram anos de tempo perdido.